10 de dez. de 2009

Borboleta

Sempre fora óbvio a qualquer um que conhecesse o mais profundo do passado, que um vivia do outro e para outro. Porém, nunca fora tão óbvio para uma das partes esta tal verdade, até poucos dias atrás.
Voltas ao que passou sempre a divertiram, talvez pela perfeição imutável e intocável de tal passado, talvez pela impossibilidade real de tal retorno - e nós bem sabemos como o impossível a atrai.
Enquanto abria a porta do carro, a menina já quase mulher observava como a cena mudara. O cenário de um filme de terror. O cão do vizinho não latia à sua espera, nem as crianças corriam na rua, nem a velha senhora observava sentada na varanda. Nem estava lá a varanda, nem a casa, apenas um imenso vazio. Virou-se.
O próprio lar não lhe interessava tanto. Esticou os olhos para a casa ao lado, que se via abandonada, silenciosa e desbotada. O choque não foi tão grande, mas algo lhe disse para desviar os olhos.
A menina encarou a própria vida, e viu o abandono do outro, refletido no um.
A casa velha nunca parecera tão velha, as árvores nunca pareceram tão pequenas, apesar de sua grandiosidade. O jardim não parecera, sejamos sinceros - o jardim nunca fora tão mal cuidado.
As memórias a invadiam enquanto ela caminhava e as coisas voltavam a ter cor. Os móveis voltavam ao antigo lugar, e ouvia-se, no fundo, o eco dos pés descalços correndo pelo pátio. Os risos ecoando pelo ar.
A cada cômodo ficava mais claro que a dependência de ambos jamais acabara. A cena que era vazia, ganhava vida diante dos olhos da menina, que respirava aquilo que nunca deixou de acontecer.
A certeza de tudo isso veio no último espaço visitado: o quintal. Nele, as árvores frutíferas já não haviam. Nele, o cachorro travesso não veio pulando. A menina abria os olhos enquanto as memórias vinham até ela através de dezenas de sensações.
Mas voltemos aos olhos. Os olhos se abriam, e diante da menina uma borboleta girava ao seu redor afim de roubar sua atenção. A borboleta pousava em cada marco remanescente das memórias.
A borboleta sussurrava para a menina um "te amo, te amo" insistente e constante. "Eu sei" a menina respondia. Ela não precisava dizer que amava também. A borboleta sabia. Voou quilômetros e quilômetros e sussurrou a resposta ao outro, que soube, como nunca soubera antes, da verdade inegável que deu início à essa narrativa.
Restava, como ambos sabiam, o amor sincero da relação infindável e imutável que os uniu não por alguma cerimônia ou declaração; apenas pelo tempo.

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