Quando eu entro, o portão sempre faz um ruído. Vocês realmente deveriam comprar um lubrificante pra resolver o problema. Venho sempre de tênis, porque meus pés descalços sentiriam falta da grama.
Eu entro sempre pela porta dos fundos. É estranho como ninguém nunca me vê. Está sempre atulhado por aqui. Sei que você não sabe que fim dar a tudo isso, mas você precisa jogar umas coisas fora. Desculpe pela sinceridade.
Eu passo uma meia hora ali dentro. Sentada no chão, perto do armário da cozinha. Reparo no ir e vir e no som da televisão. No som dos vizinhos. Nem tanto nos seus. Os seus eu já conheço de cor.
Eu quero tirar tudo do caminho. Como eu quero... Quero contar logo o final da história e poupar-lhe alguns capítulos. Porque todo romance precisa de um clímax e o seu não será diferente. Eu sinto muito.
É difícil resistir. Não tocar em nada. Ver você assim, tão de perto e tão longe é mais difícil do que eu conseguiria imaginar antes de tudo isso acontecer.
É estranho, sabe? Se for pra ser honesta, eu nem sei como vim parar aqui. Juro pra você. Invadir sua morada nunca esteve nos meus planos. Aconteceu porque o vento quis. Como todo o resto.
Na hora de voltar pra casa eu de repente me sinto vulnerável. Acontece sempre. Tudo é sempre meio igual. Porque a história já está escrita. A verdade é essa. Não tem nada que eu possa mudar. Mas eu quero. Quero muito.
Lá fora, no mundo real, eu sempre olho pela janela enquanto volto pra casa. Sempre olho pela janela e não vejo nada. Nem mesmo o que a luz dos postes ilumina. Enquanto o balanço do asfalto embala meu corpo, o som da tua voz embala minh'alma. E dentro de mim se repete sempre a mesma cena. Eu vejo sempre a mesma coisa enquanto olho pela janela. Você não precisa saber o que. É bonito. É lindo; e você está lá.
É tudo o que você precisa saber.
Quando deito na cama, cansada e fresca do banho, me pergunto se de alguma forma você também sabe de mim. Me pergunto onde você se esconde quando visita minha casa. Me pergunto se você chora quando vai embora. Mas é um questionamento muito absurdo e cedo ou tarde eu resolvo adormecer.
Sem pé nem cabeça
Há 10 anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário