31 de jan. de 2013

De tudo aquilo que você não sabe

Quando eu entro, o portão sempre faz um ruído. Vocês realmente deveriam comprar um lubrificante pra resolver o problema. Venho sempre de tênis, porque meus pés descalços sentiriam falta da grama.
Eu entro sempre pela porta dos fundos. É estranho como ninguém nunca me vê. Está sempre atulhado por aqui. Sei que você não sabe que fim dar a tudo isso, mas você precisa jogar umas coisas fora. Desculpe pela sinceridade.
Eu passo uma meia hora ali dentro. Sentada no chão, perto do armário da cozinha. Reparo no ir e vir e no som da televisão. No som dos vizinhos. Nem tanto nos seus. Os seus eu já conheço de cor.
Eu quero tirar tudo do caminho. Como eu quero... Quero contar logo o final da história e poupar-lhe alguns capítulos. Porque todo romance precisa de um clímax e o seu não será diferente. Eu sinto muito.
É difícil resistir. Não tocar em nada. Ver você assim, tão de perto e tão longe é mais difícil do que eu conseguiria imaginar antes de tudo isso acontecer.
É estranho, sabe? Se for pra ser honesta, eu nem sei como vim parar aqui. Juro pra você. Invadir sua morada nunca esteve nos meus planos. Aconteceu porque o vento quis. Como todo o resto.
Na hora de voltar pra casa eu de repente me sinto vulnerável. Acontece sempre. Tudo é sempre meio igual. Porque a história já está escrita. A verdade é essa. Não tem nada que eu possa mudar. Mas eu quero. Quero muito.
Lá fora, no mundo real, eu sempre olho pela janela enquanto volto pra casa. Sempre olho pela janela e não vejo nada. Nem mesmo o que a luz dos postes ilumina. Enquanto o balanço do asfalto embala meu corpo, o som da tua voz embala minh'alma. E dentro de mim se repete sempre a mesma cena. Eu vejo sempre a mesma coisa enquanto olho pela janela. Você não precisa saber o que. É bonito. É lindo; e você está lá.
É tudo o que você precisa saber.
Quando deito na cama, cansada e fresca do banho, me pergunto se de alguma forma você também sabe de mim. Me pergunto onde você se esconde quando visita minha casa. Me pergunto se você chora quando vai embora. Mas é um questionamento muito absurdo e cedo ou tarde eu resolvo adormecer.

23 de jan. de 2013

Vento

Era como se o vento que os cercava tivesse o poder de afastá-los ainda mais. Como se o ar gélido ao seu redor corrompesse aquele corpo já destituído de alma, fazendo-a tanto vítima, quanto prostituta. Era como se seus espíritos se perdessem de si e só restasse a eles a lógica opressora da solidão. Deixaram-se levar pelo tempo, que apertou suas mãos com força suficiente para triturar os ossos.
Era como se fosse fábula, como se fosse prosa, literatura barata travestida. Agressão. Verdade prostituída.

15 de jan. de 2013

Verão

Frio de geladeira num coração de fevereiro. Não há espaço pra mais nada nesse apartamento feito para dois. Não cabe mais nenhuma vírgula antes do ponto final. Então a gente rabisca, escreve por cima da resposta anterior. Enfia um sofá novo no canto da sala, mas não joga nada pela janela. Sobrevivemos do que temos e não jogamos nada fora. Infelizmente ou não, só temos o essencial.