23 de jun. de 2010

Eco

"Significado n°7 do Dicionário Duden:
Schweigen - Silêncio
Ausência de som ou ruído.
Vocábulos correlatados: quietude, calma, paz.
(...)
Agora, mais do que nunca, o número 33 da Rua Himmel tornou-se um lugar de silêncio, e não passou despercebido que o Dicionário Duden estava completa e profundamente errado, em especial nos seus vocábulos correlatados.
O silêncio não era quietude nem calma, e não era paz." - A menina que roubava livros, Markus Zusak (pág. 346)

"Dê valor às coisas pequenas", diz o sábio que nunca as perdeu.

17 de jun. de 2010

Intitulado

Há um par de crianças sentadas à beira da calçada. Elas sorriem, mal se tocam. Tem contato físico somente para que uma possa atestar a presença da outra. Estão calados. Estão crescendo.
Não se encontram mais simplesmente para brincar, se encontram para se encontrar. Ainda não dominam a arte da conversa. É uma fase estranha da vida que todo mundo deve passar. Mas não importa.
Estão juntos. Em silêncio. Atestando que estão alí. Sorriem. Apenas amigos.
Observam o céu e contam estrelas. Aproveitam a brisa do começo de verão. Trocam um olhar que não traz nada de inapropriado ou impuro. Não é nem mesmo um olhar confidente. É um olhar de conforto. Estarão alí para sempre.
Serão levados por caminhos diferentes. Logo.
Ela vai. Ele continuará no mesmo lugar. Ela sente saudade, ele também. Ela sabe disso, ele não sabe tão bem.
Ele a procura. Ela tem medo. Do novo, da distância, de sí.
Ela o procura. Ele se foi.
Anos se passam; ela continua encarando o céu. Uma estrela lhe sussurra um timbre e uma memória lhe assalta. O som de um riso calado, do farfalhar das mesmas estrelas. Ela se pergunta, não sabe onde está. Lhe escreve um bilhete; quer lhe encontrar. Carta mal escrita. Sem novidades. Uma única memória. Impessoal e narrativa. Sem endereço, remetente, direção.
Com a caneta nas mãos ela encara as estrelas. Perdida, sorrindo, contando segredos que elas podem guardar.

10 de jun. de 2010

Em Resposta

Pausa na narrativa. Eu tenho uns textos pra responder. Ambos eu achei lá no Cinq Contre Un. Um é do próprio Caio, outro é um curta genial tirado de um outro blog que eu pretendo conhecer melhor. Sobre o texto do Caio (me and you, just us two) o comentário é rápido, muito rápido. Queria dizer que somos 2. E queria dizer aqui, não num comentário lá mesmo. É importante que isso ecoe em minha própria gaveta, para que eu possa ouvir.

Você é a pessoa favorita de alguém?
E o curta... Veja-o, e então a gente continua.

Genial, né? Também achei. No post do Rebiscoito, a autora diz nunca ter pensado sobre isso.
Sinceramente, eu já. E muito. É o tipo de coisa legal de se imaginar. Era o que eu achava até ver o vídeo.
Quanta certeza eu tenho disso? Nenhuma. Mas gostaria de ter.
Eu preferia ser o rapaz. Ele vive tranquilo com a ciência de que não é o favorito de alguém. E assim deveria ser. Até porque escolher uma pessoa favorita é cruel demais. Ser a favorita de alguém é o tipo de honra que eu só agora percebi como inenarrável, como injusta. Injusta porque eu não fiz o suficiente pra ser a favorita de uma pessoa.
Eu queria ser o rapaz, porque ele não estava incomodado em ser parte e não clímax. Porque ele surpreende. Porque ele desperta a curiosidade do narrador. Porque ele ganha laranjas, ao contrário da moça, que justamente por ter a certeza de ser a favorita, acaba por perdê-la. Simplesmente porque a tinha.
A onisciência nunca foi meu desejo. A onisciência é cruel. É o tipo de coisa que me faz fechar os olhos. Talvez eu não prefira o rapaz. Talvez eu prefira o homem que se recusa a responder. Talvez o rapaz não seja onisciente. Mas eu prefiro não arriscar. Prefiro não responder a tais perguntas e viver na confortável ignorância da cegueira branca.

"Living is easy with eyes closed."

6 de jun. de 2010

Olhos Fechados

Às vezes me dá vontade de brincar de impossível.
De pegar na tua mão e correr pela rua.
Sozinha contigo num dia de chuva.

De me aninhar no teu peito e ouvir teu coração tranquilo.
Lhe prometer segurança,
Cheia de certeza, ao pé do teu ouvido.

Me dá uma vontade...
Não sei bem de quê.
Vontade daquilo que eu não posso ter.

1 de jun. de 2010

Bilhetes de um bilheteiro

A apresentação de nossa possível protagonista.

Olhando à minha volta eu percebi que mais uma vez tinha nas mãos vários personagens ao redor. Enquanto verificava a situação das cabines do vagão 2, numa viagem matutina - a primeira daquele sábado de começo do inverno europeu - em direção à praia que muitos diriam ser pouco convidativa, algo na cabine 9 me chamou a atenção.
Dentro dela, sentado mais próximo do corredor estava um homem de chapéu, bigode e sobretudo preto, que lançava olhares quase que invejosos para a mulher concentrada na cabine à sua frente.
Ela vestia-se como uma corretora de imóveis, mas a seriedade de seus trajes não eram refletidos por seu rosto que trazia uma expressão serena, mergulhado no jornal. Era de uma beleza respeitável e tranquila, como tudo o que a rodeava. Mas ela estava na cabine 8, portanto não é dela que quero falar.
Na cabine 9, escondida pelo homem do chapéu, estava um par de pés inquietos que mal tocavam o chão. No chão apenas os sapatos pequenos e levemente sujos de terra.
Dos pés recobertos por uma meia calça grossa e apropriada para a estação surgia um vestido sóbrio; e deste, uma menina.
Ela tinha os olhos fixos na janela, mas não estava simplesmente apreciando as montanhas nevadas. Ela evitava todo o resto. Via o reflexo de seu rosto um pouco distorcido pela sujeira do vidro. Calculo que não tenha mais de 10 anos, talvez nove ou oito. Com certeza menos de dez.
E foi por isso que ela me fez parar. Bom, este foi um dos motivos. Com certeza ela estava sozinha. Era claro à qualquer um com o mínimo de sensibilidade.
Ela era por si só uma contradição. Apesar de estar indo à praia usando um vestidinho, era esta uma madrugada de sábado, afinal. Uma madrugada de neve.
Apesar da idade infantil ela viajava sozinha e serena. Sem querer reparar em nada. Apesar da serenidade, os pés inquietos não podiam parar de balançar.
Até que ela tirou os olhos da janela e virou-se intranquila para mim. Logo a cortina preta de seus cabelos lisos e longos fora substituída pelos grandes olhos verdes e estranhamente profundos daquela criança que negava a própria juventude. Os lábios vermelhos e grossos formavam uma linha que parecia indivisível e que combinavam perfeitamente com a pele alva.
Assim que seus olhos encontraram os meus tive de olhar para o chão. Para os sapatos lustrosos fornecidos pela companhia, onde vi de relance um borrão do que era meu rosto. Ficara claro para mim que aquela menina era apenas silêncio.