30 de out. de 2013

Personas

Era palhaço e por isso vivia em antagonia. Como se a própria tristeza fosse um pecado, ou uma doença a ser combatida à qualquer custo. Deixava-a calada, do lado de dentro, onde achou que ninguém deveria entrar.
Trabalhava duro, de sorriso imposto; mas os olhos, ainda que brilhantes, traziam a tona aquele conflito estranho. Que ele, logo ele, que sempre viveu das próprias escolhas, imaginou que jamais ia encarar.
Como artista, não era rico. Mas não era pobre como a maioria gostava de julgar.
Depois do trabalho, atirou-se no sofá um tanto inerte, assistindo aos flashes de luz azul advindos da televisão enquanto planejava, malandro, uma grande fuga.
Dois meses depois, não estava mais na praça. Para trás, não ficaram mulher nem filhos. Maravilha não tinha nem um cachorro pra deixar para trás. Maravilha achava que a vida era dura e que ser palhaço era um favor social que vinha cobrando o preço de sua própria alegria.
Não mais. Caminhando pelas ruas sem nome de uma cidade igualmente anônima da Argentina, Augusto não era palhaço de ninguém. Augusto podia ser triste. Augusto podia andar de terno e gravata e dizer cursar administração de empresas. Pela primeira vez em muito tempo, Augusto era Augusto e isso não importava para mais ninguém. Ou talvez importasse para Beatriz.
Beatriz era funcionária exemplar. Funcionária do mês daquela rede de farmácias que de tão grande só faltava vender sabão em pó.
Beatriz via Maravilha pelo canto do olho, com certo esforço, enquanto ele fazia rir do outro lado da praça. Beatriz via Augusto todos os dias quando passava a caminho do ônibus e seus olhos se cruzavam, já no fim da tarde. Quando via Augusto, Beatriz pensava em um vaso de flores decorando a mesa de um apartamento onde coubessem os dois e um sofá.
Quando via Beatriz, Augusto pensava no jantar. Já em casa, pensava ser injusto nunca ser visto e que se tivesse um pouco mais de coragem, fugiria de balão. Mas Augusto tinha medo de altura. Foi pra Argentina de ônibus mesmo.
O rendimento de Beatriz caiu. Beatriz agora chegava mais tarde em casa. Passava menos tempo com o cachorro. Aquele que Maravilha não tinha. Não foi mais funcionária do mês.
Augusto acabou voltando. Augusto deu com o apartamento de Maravilha um pouco atulhado e achou melhor fazer uma limpeza por lá. De entrevista marcada numa imobiliária no centro da cidade, Augusto viu Beatriz.
Augusto a viu e pensou numa casa na praia. Onde coubessem os dois e talvez um filho. Talvez um cachorro no quintal.
Beatriz passou por Augusto. Não pensou em nada que valha a pena contar.

5 comentários:

Leo disse...

*--* Apenas amei

Unknown disse...

Achei uma maravilha, amei , muito bom (8

Unknown disse...

Muito bom, maravilho amei" (8

Unknown disse...

Muito show, maravilho amei!!! (8

Anônimo disse...

Muito Perfeito!
M.M, beijos