Há coisas que você não pode pedir à uma mulher. O silêncio é uma delas. Ainda mais a mim. Eu, tão dada à palavras.
E enquanto eu expresso minha recusa, teu desejo se sobrepõe.
Vem de dentro, o silêncio. Quase que do meio do peito. Um pouco mais pra esquerda. Envolve-me o coração e é como se de repente eu notasse que ele tem menos espaço pra bater.
Coloco-me na ponta dos pés. Dois dias atrás eu reparei que não sei mais dançar na ponta dos pés. Foi embora o último resquício das aulas de balé.
Por isso mesmo, eu titubeio. Respeito aos teus desejos como se eles fossem justos. Enquanto isso, respondo como bem quero, de lábios cerrados. A voz ecoa na cabeça. Mas hoje eu descobri, querido, que ela passa pelo peito antes de chegar à boca. E ali ela para. Vira sussurro e se dissipa. Como uma mensagem escrita à beira do mar. Como se cada batida do coração fosse uma onda que enfraquece os contornos. E em pouco tempo, é como se nada houvesse ali, em tempo algum.
Eu...
Eu já disse isso antes. Centenas de vezes.
Eu...
Eu acho que dizer isso agora, tornaria as coisas muito dramáticas.
Porque a gente se preocupa demais. Falo de nós. Dois. Não eu e você, ou eu, ou você. Aquela terceira pessoa que surge quando os laços são fortes o suficiente para que da coletividade surja uma personalidade in (e em) comum.
(É importante esclarecer que aqui não existem entrelinhas. Apenas uma mulher em construção, daquelas incapazes de se manter calada.)
Sem pé nem cabeça
Há 10 anos