3 de ago. de 2013

Herança

Ele fecha a porta e respira fundo. A casa é grande, ele pensa. Têm muitas portas para serem fechadas. Graças à Deus.
A casa tem cheiro de velharia, água e poeira. Estranho seria se tivesse cheiro de qualquer outra coisa, ele pensa.
É preciso dar o primeiro passo. Desencostar-se da parede. A casa é velha. Caso se desencoste da parede, talvez a casa caia. Por um momento, ele ri.
Caminha, enfim. Pé ante pé. Como um teste de sobriedade. Z, y, x... Ele sabe até o alfabeto ao contrário. Com certeza passaria num teste de sobriedade.
Caminha e não olha para os lados. De nada adianta. Visão periférica. Maldito processo evolutivo. À sua esquerda. bem como à sua direita, eles se acumulam. Perfilados e atulhados. Com olhares de compaixão e desprezo. De rostos confusos e pálidos. Doentios. Metafóricos.
Mais uma porta se fecha. O som ecoa pelo entulho do vazio. As escadas estão à sua frente. Mais uma vez, se encosta na porta. Respira fundo. Fecha os olhos. E pode ouvi-los respirar. Cheios de remorso.
Abre os olhos e caminha. Pé ante pé. Chega até as escadas. Sem portas dessa vez.
É como se o corrimão não o sustentasse. Aos poucos os degraus tornam-se parte do passado imediato. Imediatismo contínuo.
Abre a porta. Deixara aberta a porta do quarto. Passa e a fecha imediatamente atrás de si. Pela primeira vez, não sustenta o peso da casa.
Dois passos e meio. Atira-se na cama. A cama tem gosto de pó. Fecha os olhos e finge adormecer. Aí, então, junta-se à eles. Fantasmas metafóricos.

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