16 de set. de 2012

Resgate

Primeiro veio o vento. Como uma brisa, quase imperceptível. Depois veio a chuva. De início uma garoa, que ficou cada vez mais forte. Tornou-se tempestade interminável. Choveu por dias e dias. Semanas. Meses. Aos poucos, a casa encheu. E a água turva apodreceu as paredes. Levou-as embora.
Por fim, a água da chuva encontrou o rio, e nessa enchente improvável, impossível, a correnteza acabou por me levar também. Pra longe. Não sei onde. A água encharcou os cabos e a cidade estava sem luz.
Quando finalmente escapei do frenesi da correnteza, caminhei. Até lugar nenhum, lugar vazio. Sentei-me sob uma árvore e esperei. Dias e dias.
O sol saiu e resolvi que era hora de voltar. Caminhei a esmo, procurando um ponto de referência conhecido, a fim de encontrar meu lar. Levou quase uma semana. O que importa é que cheguei.
A uma estrutura depenada e lamacenta. Num bairro vazio, onde seres desolados se apinhavam a procura de restos e migalhas num silêncio pesaroso. Entre eles, tão só quanto todos nós, constatei que não havia quase nada.
Debaixo de uma pilha de entulho, uma carcaça putrefata e quase irreconhecível. Uma promessa. Olhos certos em olhos chorosos. Corpos nus - ou quase isso. Mãos trêmulas entregues em mãos incertas. O aperto consolador do que restava das forças.
- Eu nunca vou embora.
- Promete?
- Nem se você quiser que eu vá.
Então, veio o vento.

7 de set. de 2012

Um breve momento depois do fim

Lá estava eu, deitada por não ter opção. Rodeada de flores que com certeza não eram minhas preferidas. Mas valia a intenção. Sabia que não deviam ter sido baratas e estava grata por alguém tentar fazer deste evento patético algo bonito. Mesmo que não fosse.
Sempre achei que essas salas eram antiquadas e escuras demais. Mas entendo que haja um motivo para isso. Cores vibrantes e um sofá bacana soariam irônicos.
Por estar deitada, só consigo ver aqueles que se aproximam de mim. Mesmo assim, evito seus olhos. O medo é maior que a curiosidade.
Será que estão chorando? Posso ouvir ruídos distantes, mas não posso distinguir nada. O som é abafado, como se eu estivesse em outro cômodo.
Não. Como se eu estivesse embaixo d'água. Isso. Essa é a sensação exata. Até mesmo no corpo. Quando o ar está prestes a acabar e parece que as costelas apertam o que resta do peito. Aliás, falando em aperto, essa não foi a roupa que eu escolhi para a ocasião.
Sabia que eu devia ter deixado tudo por escrito... Queria aquele vestido branco, leve, que ganhei num natal distante. Não sei se o corte se adequa a uma ocasião tão séria, mas nunca fui adequada ao que é sério de qualquer forma.
E... sei que vai parecer bobeira, mas as aparências a esta altura não importam mais. Sempre achei que aquele vestido era próprio de um anjo. Que era minha peça mais linda, e mesmo assim nunca tive uma oportunidade de usá-lo.
Te digo uma coisa: eu casaria com aquele vestido. Mesmo.
Aos poucos o salão esvazia. Conforme o grupo fica menor, o volume das conversas aumenta. Como se os estranhos que voltam para suas vidas levassem consigo um pouco do constrangimento típico dessas ocasiões. Eu continuo calada. Em certos momentos, é como se nem estivesse lá.
Em outros, não há nada além de mim.